quinta-feira, 30 de agosto de 2007

A crise chega a cozinha

Era fim de tarde, o chefe chega ao seu subordinado e diz:
-Olhe, a questão é a seguinte. Como estamos falidos e não há caixa, o pagamento do passivo trabalhista dos funcionários será feito em panelas. Vamos ser pagos em produção, são decisões dos diretores, o seu carro tem porta-malas grande?
- Panelas?! Gritou o funcionário espantado. – A crise chegara nele - Ele não fazia outra coisa no trabalho a não ser ver panelas. Era panela aqui, frigideira ali. Sua mulher, graças a deus, não gostava de cozinhar,e, portanto só via uma bandeja de vez em quando, quando ia esquentar algum congelado. Agora ele chegaria em casa com aquelas panelas, e ela ficaria achando que era ofensa. Onde já se viu trazer panelas para uma mulher que trabalha, e não cozinha porque não sobra tempo? Corria o risco dela bater com as panelas em sua cabeça. Não sabia o que fazer. Teria que vender panelas para conseguir dinheiro e pagar as contas. Mas onde venderia, na rua?
- É a crise na Ásia, é a gripe na Ásia, são os brinquedos Asiáticos. Reclamou. É a globalização! Botemos a culpa nessas coisas. Se ao menos a globalização deixasse a Ásia de fora, sobraria ainda “algum” para o Brasil, e nós não estaríamos na situação em que estamos.
- Deixe disso! Nós brasileiros sempre temos o hábito de botar a culpa nos fatores externos, quando na verdade nós temos nossos próprios problemas de competitividade. Nossa empresa faliu porque faltou planejamento estratégico, benchmarking, balanced scorecard, entende? Não foi por causa dos chineses, nem dos americanos, nem do grande capital.
- Pois então, essa noção de sucesso e fracasso pessoal, é uma invenção desses americanos também, que querem fazer tudo de errado pesar somente em nós mesmos.
- Mas este hábito está no DNA... não?
- Está bem, agora me responda. O que vou fazer com essas panelas?
- É a pergunta que o pessoal de vendas vinha fazendo também. Desde que nossas vendas caíram, nossos resultados passaram a ser negativos e a empresa está falindo, agora eles nos dão este problema e temos que vender uma mercadoria desprestigiada. Hoje, com a modernidade, com as mulheres que não cozinham por obrigação, e ainda trabalham, as panelas perderam muito de sua utilidade. Quem vem ganhando muito são os fabricantes de potes para microondas e de bandejas.
- Mas nossos produtos são tão bons, inoxidáveis, com um design interessante, não há possibilidade das pessoas comprarem só para enfeitar a casa, como fazem com os liqüidificadores?
- Veja, esta pode ser uma boa alternativa, mas não sei se panelas seriam um artigo de luxo muito cobiçado. Para a minha mãe, que deus a tenha, até era. Por muitas vezes ela reclamava que odiava cozinhar com aquelas panelas queimadas, todas pretas e gordurosas, que se precisava ficar esfregando palha de aço. Quando ia nessas lojas de departamento, seus olhos brilhavam com qualquer utensílio de cozinha. Hoje não, hoje está tudo mudado. Eu trabalho aqui há 30 anos, meus salários até hoje sempre foram pagos em moeda, e mesmo sob a hiperinflação!
- Hoje está tudo mudado. Sabe quando vemos nos museus aqueles artefatos dos índios, ou de qualquer outra civilização, e achamos curioso? Acho que um dia essas panelas do meu porta-malas estarão em algum lugar como esse, e algum guia irá dizer: “vejam, estas são panelas teflon, muito utilizadas para fritar ovo, um alimento que se comia antes dos comprimidos”...
- É. No futuro os apartamentos nem cozinha vão ter, quanto mais panelas, quanto mais qualquer coisa que minha mãe não viveria sem. Vai ser uma loucura.
- Loucura não. Na verdade será uma vida normal, só que sem cozinha, sem panelas. As panelas não são tão necessárias assim. Riu-se.
- Acho que estou começando a achar a verdadeira causa da falência desta empresa.
- Eu também.

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