sábado, 5 de maio de 2007

Elogio ao Ridículo

O rapaz abria a porta do carro, entrava, e lá estava seu amigo na direção. Cumprimenta-o, sauda-o. Com um sorriso mais para o bege, de quem está mais importado em ir logo jogar futebol do que em ficar conversando com seu amigo que chegara há pouco. Aquele, no entanto, era um dia diferente da mesma semana em que nenhum dos dois havia feito nada de especial. Era o dia de uma confissão. E quando confessasse aquilo nada mudaria no mundo. Nada faria a menor diferença. Era apenas uma verdade que os outros deveriam saber, uma verdade incontestável, dolorosa. Depois da saudação, um silêncio inicial antes que o assunto começasse pairou naquele carro, que fora quebrado após uns segundos:
- Alguém nesse mundo há de dizer o que eu direi.
- Por favor. No meu carro nunca ninguém nunca saiu do armário. Tenha paciência. Disse ele brincando, mas sem deixar de ser alerta, pois ainda que o risco fosse pequeno, era uma das últimas coisas que ele queria ouvir no caminho para o futebol.
- Não, não é isso. O que há de se dizer a esse mundo é que o ridículo é bom. O ridículo é o último reduto da humanidade. É nele onde se vê gente de verdade nesse mundo, que é como eu, que foge dos socos dos outros, que tem canetas estouradas nas camisas.
- Concordo, concordo. Quem quer esconder sua infâmia é menos gente. Você sabe que uma vez eu estava de visita na casa de uns amigos meus, aí nós estávamos tomando café da manhã. Quando preparam café da manhã para uma visita é uma enganação só. Parece que estávamos nesses comerciais de margarina, tudo lindo, tudo ótimo, comida à vontdade. E todo mundo sabe que não é assim que se toma café da manhã.
- Entendo.
- Pois então, acontece que estavámos numa conversa agradável, e alguém disse algo sobre ter viajado para a Itália, sobre ter ido a Milão e conhecido a cidade. Bem, eu não tinha prestado muita atenção na conversa, pois percebi que do outro lado da mesa havia uma cesta de frutas para comer. Olhar fixo àquela cesta, que tinha uma cara de ter frutas doces demais.
- Claro.
- Distraído, ouvi a mãe do meu amigo me perguntar: “Você conhece Milão, Claúdio?”. E eu, que nunca fui à Europa, respondi: “sim, conheço, claro. Minha avó sempre comparava para mim quando ia à feira, e de todos os tipos”.
- Que Gafe. -Riu-se o amigo-. São essas coisas que dão graça à vida. Isso e o tédio. Então nossa vida é um misto de ridículo e tédio.
- E há pessoas contra a eutanásia...
- Não, mas como eu disse, isso que faz a vida mais quente, aliás, ouso dizer que é por isso que as pessoas não querem morrer, pois no céu nem no inferno há ridículo. Se algum dia estiver eu em estado terminal, numa cama de hospital, viraria para o médico o diria: “não antes de assistir ao programa do Márcio Garcia!”.
- Este programa é genial. Verdadeiramente genial. Passo as tardes de sábado vidrado.
- Entre isso e assistir um filme iraniano, ou ler “Caros Amigos”, prefiro mil vezes isso. Duas mil. Ainda bem que na televisão colocam pessoas de bem para pensar nos programas. Eu sempre pensei naquilo que falam nas reuniões da equipe de produção, quantas idéias desperdiçadas.
- O nosso país tem algo de ridículo também. Veja o exemplo da corrupção com dólares na cueca.
- Só no Brasil. Aqui a política é humana, mas só neste sentido. Meu avô sempre reclama que os aumentos do salário mínimo não vão para os aposentados. È bem esperto esse governo, apertar aqueles que já estão de saco cheio de se mobilizar. Podem dar o argumento econômico que quiserem, mas não está direito.
O carro, vai parando, e o lapso de lucidez termina quando se pôde avistar a quadra onde iriam jogar, novinha, azulzinha. Os olhos deles brilhavam como se avistassem, crianças, as suas mães vindo-lhes buscar na escola. Naquele momento não poderia haver outra cena ridícula senão àquela.

3 comentários:

A Esquesita disse...

=D

Renato Siviero dos Santos disse...

Esse é um resumo de idas ao Senac, no sábado.

Diogo Bardal disse...

heheheh eh.