terça-feira, 29 de maio de 2007

A Taróloga.

Vendo sua bola de cristal, a taróloga, que havia abandonado o tarô há muito tempo, pois os clientes se sentiam um pouco assustados com o não raro aparecimento de uma carta chamada “morte”, tentava observar o futuro daqueles que participavam da ocupação da reitoria, na Universidade de São Paulo. Ela o fazia por curiosidade, o movimento era baixo e ela poderia se distrair (ambigüidade proposital). O pico de atividade, pelo menos para ela, era mais em setembro, não sabia direito a razão.
Mas enfim, a taróloga se formou num centro cigano de excelência, e tinha certa credibilidade. Havia rigor científico no que ela dizia, pelo menos mais rigor científico do que algumas pesquisas. Foi ela que solucionou, (secretamente), a polêmica sobre se o chocolate faz bem ou mal à saúde.
Ela ainda não via muita coisa. A visão estava um pouco esfumaçada, de serração, como quando ela viajava para ver a família no sul. Aos poucos, ela se clareia, e embora a bola de cristal não deixasse ouvir os sons (há filmes mentirosos que colocam sons nas bolas de cristal), podia-se dizer que havia barulho. Não sabemos explicar exatamente como funciona uma bola de cristal, é um mecanismo misterioso, mas não muito caro, se formos pensar.
Primeiro ela viu os ocupantes no tempo presente (a previsão se processa do presente para o futuro, e não vai diretamente ao futuro). Estavam sentados dentro da reitoria, decidindo questões burocráticas da organização da greve. A greve, no caso dos metroviários, é um bom instrumento de pressão, mas em se tratando de estudantes, professores e funcionários de uma universidade pública, se concedem uma reunião com o governador depois de um mês parados, há motivo para festa. O prejuízo no curto prazo de uma greve assim é irrisório, pois não é um serviço público vital. No longo prazo, no entanto, é o maior possível, principalmente porque é efeito adverso a diminuição da qualidade do ensino advinda de uma greve por ano, sem contar o número de questões administrativas importantes que passavam pelo prédio da reitoria, hoje ocupado. Falando em longo prazo, vejamos, pois é para isso que as tarólogas e os economistas existem, para nos dizer sobre o longo prazo.
Metade dos ocupantes, ela via, filiou-se ao PSDB, vinte anos depois. No futuro, eles escrevem editoriais ao Estadão dizendo que eles não esqueceram seus ideais, apenas amadureceram, e tornaram-se realistas. Dizem que o Estado tem mais é que manter a sua política econômica a favor do mercado financeiro, pois senão os investidores vão se sentir em insegurança jurídica, e vão tirar o dinheiro rapidinho. Também é preciso, dizem eles, fortalecer as instituições, garantir direitos de propriedade e acabar (sic) com a burocracia, publicizando, que, óbvio, é mais eficiente.
A outra metade se divide em três. Primeiro políticos típicos da esquerda européia, mas numa versão tupiniquim mais ridícula, em que se faz a mesma coisa que a direita só que com dor no peito e pena dos cidadãos. Além disso, alguns também entram em alguns escândalos com a polícia federal, pois a política econômica que favorece o mercado financeiro, também favorece, vejam só que surpresa (!), o envio de dólares roubados aos paraísos fiscais. A outra parte, bem, virou de professores universitários, ainda genuinamente de esquerda, que vão semanalmente a globonews dar palpite sobre a política nacional, de gravata borboleta. A terceira parte está ainda no movimento estudantil, comendo pipoca e guarda-chuvas de chocolate, sem saber se faz bem ou mal. A previsão então ia acabando.
A taróloga desligou a bola de cristal e ficou um pouco triste, pois em todos esses anos prevendo e re-prevendo com a ajuda dos poderes misteriosos da bola, esses instrumentos, no fim, assim como o tarô e as cartas da “morte”, nunca foram de fato necessários. Era como se ela soubesse o que iria ver sempre.

3 comentários:

Renato Siviero dos Santos disse...

Corneteiro!

Diogo Bardal disse...

vou escrever a um onze avos tese sobre feuerbach

Renato Siviero dos Santos disse...

A 11ª tese é do Gamarrinha.