quinta-feira, 8 de março de 2007

Por que mulheres não são engraçadas?

"Homem quer mulher como platéia"

Para ensaísta, pelo fato de o humor ser um sinal de inteligência, homens não querem que as mulheres sejam engraçadas

Christopher Hitchens diz ainda que a necessidade de fazer o sexo feminino rir ajudou a desenvolver o senso de humor dos machos

CHRISTOPHER HITCHENS
DA "VANITY FAIR"

Seja qual for seu gênero, você certamente já deve ter ouvido o seguinte comentário da boca de uma amiga que está enumerando os encantos de um novo pretendente (homem): "Ele é bonitinho, trata minhas amigas bem, sabe um monte de coisas e é super, superdivertido..." (Se você próprio é homem e conhece o sujeito em questão, com freqüência já deve ter se perguntado: "Divertido? Ele não reconheceria uma piada se ela lhe fosse servida sobre alface regada a molho "béarnaise'").

Mas eis uma coisa que você jamais vai ouvir da boca de um amigo homem que está elogiando os encantos de sua conquista (mulher) mais recente: "Ela é um doce-de-coco, tem vida própria, .... [pausa para a enumeração de atributos que não são de sua conta] e, cara, ela me faz rolar de tanto rir".

Por que isso? Quero dizer, por que razão isso acontece? Por que as mulheres, que têm o mundo masculino inteiro a seus pés, não são engraçadas? Por favor não se faça de desentendido -não faça de conta que não sabe do que estou falando.

Tá bom -experimentemos pelo outro lado (como disse o bispo à "barwoman'). Por que os homens, em média e como um todo, são mais divertidos que as mulheres? Bom, para começo de conversa, eles não têm muita saída senão ser engraçados.

A tarefa mais importante que o homem precisa desempenhar na vida é impressionar o sexo oposto, e a Mãe Natureza (como a chamamos, em tom de brincadeira) não foi gentil com os homens. Na verdade, ela equipa muitos de nós com armamentos muito parcos para encarar essa briga.

Um homem mediano tem apenas uma chance, e ela não é muito grande, então é bom que ele seja capaz de fazer a dama dar risada. Fazer as mulheres rir tem sido uma das preocupações cruciais de minha vida.

Se você conseguir levá-la a rir -estou falando daquela risada verdadeira, ruidosa, com a cabeça para trás e a boca aberta para expor todos os dentes, involuntária, plena, que vem do fundo da garganta; o tipo de riso que é acompanhado por espanto e uma leve (não, melhor -uma barulhenta) gargalhada de prazer- bem, então você terá pelo menos conseguido que ela se solte e mude de expressão. Não entrarei em detalhes.

As mulheres não têm a menor necessidade correspondente de agradar aos homens dessa maneira. Elas já agradam a eles, se é que você me entende. Agora temos o prazer de dispor de um estudo científico que lança luz sobre essa diferença.

Na Escola de Medicina da Universidade Stanford (um lugar onde eu certa vez fui submetido a um procedimento hilário realizado com um sigmoidoscópio), os pesquisadores seríssimos mostraram a dez homens e dez mulheres uma amostra de 70 charges em preto-e-branco e pediram que atribuíssem "notas" a cada uma, segundo uma "escala de graça".

Anexo, um exemplar da linguagem do estudo, conforme foi resumido na "Biotech Week": "Os pesquisadores constataram que homens e mulheres compartilham boa parte do mesmo sistema de reação ao humor; ambos utilizam em grau semelhante a parte do cérebro responsável pelo conhecimento e a justaposição semânticos e a parte envolvida no processamento da linguagem. Mas constataram que algumas regiões cerebrais eram mais ativadas nas mulheres. Estas partes incluíram o córtex pré-frontal esquerdo, o que sugere uma ênfase maior no processamento de linguagem e executivo entre as mulheres, e o "nucleus accumbens" ... que faz parte do centro de recompensas do mesolímbico."

O texto possui todo o encanto da tentativa feita pelo professor Scully de definir um sorriso, conforme citada por Richard Usborne em seu tratado sobre P.G. Wodehouse: "O afastamento e levantamento ligeiro dos cantos da boca, descobrindo parcialmente os dentes; a curvatura das rugas naso-labiais...". Mas, espere -a coisa fica ainda pior.

"As mulheres pareceram ter menos expectativa de recompensa, que, no caso, era a parte final da piada", disse o autor do estudo, dr. Allan Reiss. "Assim, quando chegavam a essa parte, ficavam mais gratificadas com ela." O estudo também concluiu que "as mulheres são mais rápidas em identificar materiais que consideram não ser engraçados".

Demoram mais a entender uma piada, ficam mais gratificadas quando isso acontece, são rápidas em identificar o que não acham engraçado -e para isso precisávamos da Escola de Medicina da Universidade Stanford? E, vejam bem, essas foram mulheres às quais se apresentou material de humor. Não surpreende que elas sejam menos capazes de gerá-lo.

Sinal de inteligência

Isso não significa que as mulheres sejam destituídas de humor, nem que não possam ser grandes humoristas e comediantes. Aliás, se elas não operassem no comprimento de onda do humor, não adiantaria muito nos matarmos para tentar fazer com que se contorçam de tanto rir. O humor, afinal, é sintoma infalível de inteligência. Os homens riem de praticamente qualquer coisa, muitas vezes precisamente por serem -ou porque eles são- extremamente estúpidas. As mulheres não são assim. E as comediantes e humoristas entre elas são incomparáveis: Dorothy Parker, Nora Ephron, Fran Lebowitz, Ellen DeGeneres.

Com ousadia extrema -pelo menos foi o que pensei-, decidi telefonar para Lebowitz e Ephron para testar minhas teorias. Fran respondeu: "Os valores culturais são masculinos; que uma mulher diga que um homem é engraçado equivale ao homem dizer que a mulher é bonitinha. Além disso, boa parte do humor é agressivo e preventivo, e o que existe de mais masculino que isso?". Nora Ephron não discordou. Mas, de uma maneira que me pareceu um pouco felina, ela me acusou de plagiar um discurso de Jerry Lewis que disse mais ou menos a mesma coisa. (Só vi Jerry Lewis em ação uma vez, em "O Rei da Comédia", em que na realidade quem era engraçada era Sandra Bernhard).

De qualquer maneira, meu argumento não afirma que não existem humoristas mulheres de bom nível. Há mais humoristas mulheres péssimas do que humoristas homens péssimos, mas existem algumas damas impressionantes lá fora.

Entretanto, se você olhar mais de perto, verá que a maioria delas ou é gorda, ou lésbica, ou judia, ou então um misto das três coisas. Quando Roseanne se levanta para contar piadas sobre motoqueiros e convida quem não curte seu humor a chupar seu pau -você está me entendendo? A facção sáfica pode ter suas razões para desejar o mesmo que eu desejo -a doce entrega do riso feminino. E o humor judaico, sempre fervilhando de autodepreciação e angústia existencial, é quase masculino por definição.

Substitua "autodepreciação" por autodefecação (termo que eu realmente ouvi sendo usado inadvertidamente uma vez), e quase todos os homens rirão imediatamente, nem que seja apenas para passar o tempo.

Mergulhe um pouco mais fundo, porém, e você entenderá o que Nietzsche quis dizer quando descreveu um chiste como sendo um epitáfio sobre a morte de um sentimento.

O humor masculino prefere que a piada seja às expensas de alguém e entende que a vida muito provavelmente já é uma piada em si, para começo de conversa -e, com freqüência, uma piada de muito mau gosto.

O humor faz parte da armadura que vestimos para resistir a algo que já é farsesco o suficiente (possivelmente não seja coincidência o fato de que os homens, fustigados pela natureza implacável, tendam a referir-se à própria vida como maldita). Enquanto as mulheres, abençoados sejam seus corações ternos, prefeririam que a vida fosse justa e até mesmo doce, em lugar da confusão sórdida que ela é. Piadas sobre consultas médicas calamitosas, visitas ao psiquiatra ou ao banheiro, ou então sobre desafogar as frustrações sexuais com bichinhos de estimação peludos, são do reino masculino.

Sem cura

Deve ter sido um homem que cunhou a frase "tão hilário quanto um ataque cardíaco". Em todas os milhões de charges que mostram um paciente desanimado ouvindo o veredicto do médico ("Não existe cura. Não existe nem mesmo uma corrida para chegar à cura"), você se recorda de uma sequer em que a paciente é mulher? Foi o que pensei.

Precisamente porque o humor é sinal de inteligência (e muitas mulheres pensam, ou aprenderam de suas mães, que podem ser vistas pelos homens como ameaça se aparentarem ser inteligentes demais), é possível que, de certo modo, alguns homens não queiram que as mulheres sejam engraçadas.

Eles querem as mulheres como platéia, não como concorrentes. E existe uma reserva imensa e transbordante de insegurança masculina que seria facílima de ser explorada pelas mulheres (os homens podem contar piadas sobre o que aconteceu com John Wayne Bobbitt, mas não querem que as mulheres o façam).

Os homens têm próstatas -que hilário!-, e estas tendem a fraquejar, assim como seus corações e seus pênis. Isso é divertido apenas quando se está em companhia masculina.

As mulheres não acham tão hilária sua própria decadência e ridículo físico, e é por isso que admiramos mulheres como Lucille Ball e Helen Fielding, que vêem o lado engraçado disso. Mas isso é tão raro que é como a comparação que dr. Johnson traçou entre uma mulher pregando e um cão andando nas patas traseiras: o espantoso é que sequer seja feito.

A verdade é que a estrutura física do ser humano é uma piada: o desmentido rude e irrespondível de qualquer baboseira que seja dito acerca de "desígnio inteligente". As funções reprodutivas e eliminatórias (cuja proximidade está à origem de toda a obscenidade) foram interligadas no inferno por algum subcomitê que não parava de soltar risinhos cruéis enquanto fazia seu trabalho ("Você acha que eles usariam isso?"; "Vão ser obrigados a usar, rarará").

A confusão resultante é a origem de talvez 50% de todo o humor. Obscenidade. É isso o que os clientes querem, como sabemos nós, humoristas ocasionais. Sujeira, e muita. Sujeira de montão. E eis outro princípio que ajuda a excluir o sexo belo. "Os homens obviamente gostam de humor chulo", diz Fran Lebowitz. "Por quê? Porque é infantil." Foque sua atenção nessa última palavra.
O apetite das mulheres pelo belo produto conhecido como Depend [nome de marca de uma fralda para incontinência urinária ou fecal adulta] é limitado. O mesmo se aplica a sua tolerância com piadas sobre ejaculação precoce. ("Precoce para quem?", pergunta uma amiga minha, indignada) Mas a palavra-chave é "infantil".

Para as mulheres, a reprodução é, se não a única coisa, com certeza a coisa principal. Isso, além de levá-las a ter uma atitude muito diferente em relação a sujeira e coisas embaraçosas, também as imbui do tipo de seriedade e solenidade diante da qual os homens só podem ficar estarrecidos.

Essa seriedade feminina foi captada por Rudyard Kipling em seu poema "A Fêmea da Espécie". Depois de observar que no caso do macho "o humor obsceno desvia sua ira" -o que se aplica à maioria dos trabalhos sobre o equivalente masculino ao dar à luz, que é a guerra-, Kipling insiste: "Mas a Mulher que Deus lhe deu,/ Cada fibra de seu ser/ Comprova que foi criada para uma única produção,/ Armada e projetada para a mesma,/ E, para melhor servir a ela,/ Para que as gerações não deixem de continuar,/ A fêmea da espécie precisa ser/ Mais letal que o macho".

A palavra "produção" é restaurada a seu significado de produção de filhos. Kipling prossegue: "Ela que é capaz de enfrentar a Morte por tortura por/ cada vida que nutre em seu seio/ Não pode tratar com a dúvida ou a pena/ Ela não pode se deixar desviar por fatos ou por gracejos".

A glória dos escravos


Os homens se sentem intimidados, para não dizer aterrorizados, pela capacidade das mulheres de gerar bebês. Ela confere às mulheres uma autoridade impossível de ser contestada. E uma das primeiras origens do humor que conhecemos diz respeito a seu papel em zombar da autoridade. A própria ironia já foi descrita como "a glória dos escravos".

Então podemos argumentar que, quando os homens se reúnem para fazer graça e não esperam que as mulheres participem ou que entendam a piada, na realidade o que estão fazendo é admitir implicitamente quem é que realmente manda. As festividades anuais da Saturnália, na Antigüidade, em que os escravos representavam os papéis de senhores, eram uma libertação temporária do domínio dos senhores. Toda uma parte do humor masculino subversivo também se baseia na idéia de que as mulheres não são realmente as chefes, e sim meros objetos e vítimas. Kipling enxergava a falácia disso: "Assim acontece que o Homem, esse covarde/ quando se reúne para argumentar/ com os outros guerreiros no conselho/ não ousa deixar um espaço aberto para a mulher."

Para as mulheres, a questão do divertido é secundária. As mulheres têm consciência de uma vocação superior que não é motivo de risadas. Enquanto isso, a um homem você pode dizer impunemente que ele é ruim de cama, ruim na direção ou no trabalho, e mesmo assim você o ferirá menos do que se o acusasse de ser deficiente em matéria de senso de humor.

A explicação do engraçado superior dos homens é mais ou menos a mesma que a do engraçado inferior das mulheres. Os homens precisam fazer de conta de que não são os criados.

As mulheres, essas astutas, precisam fazer de conta que não são quem manda de fato. É o acordo não-explicitado. H.L. Mencken descreveu como "a maior descoberta única jamais feita pelo homem" a compreensão de que "os bebês têm pais humanos -as mulheres não são inseminadas por deuses".

Você pode se indagar onde estava a cabeça das pessoas até essa constatação chegar a elas, mas sabemos de uma sociedade na Melanésia em que a conexão só foi feita recentemente. O raciocínio deveria ser que todo mundo faz aquilo o tempo todo, já que não há muito mais o que fazer, mas que nem todas as mulheres engravidam.

Seja como for, após determinada fase as mulheres chegaram à conclusão de que os homens eram necessários de fato, e o matriarcado à moda antiga chegou ao fim. As pessoas que vivem nessa posição precária não gostam de ser ridicularizadas, e as mulheres não devem ter demorado a entender que o humor feminino seria o mais devastador de todos.

Parto e criação


O parto e a criação dos filhos são a raiz dupla de tudo isso. Como bem sabe todo pai, a placenta é feita de células cerebrais que, durante a gravidez, migram para o sul, levando o senso de humor com elas.

E, quando o pacote finalmente é entregue, o lado engraçado nem sempre volta a se manifestar de imediato. Existe algo tão totalmente destituído de humor quanto uma mãe falando de seu filho recém-nascido? É impossível fazer com que ela se canse do assunto. Mesmo as mães de outros rebentos novinhos são obrigadas a se contorcer para não desmaiarem de puro e simples tédio. E, quando os pequeninos começam a crescer e ficar mais fortes, você conhece alguma mãe que curta brincadeiras feitas às expensas deles? Não. Foi o que pensei.

O humor, se quisermos encará-lo com seriedade, nasce do fato inevitável de que todos nós nascemos numa luta que estamos fadados a perder. As pessoas que correm o risco de sofrer dor e morte para trazer filhos à luz para viver este fiasco simplesmente não podem dar-se ao luxo de ser frívolas. Tenho certeza de que é em parte por isso que, em todas as culturas, são as mulheres que formam a população de base da religião, que, por sua vez, é a inimiga oficial de todo humor.

Um pequeno espirro que vira um chiado de peito, um corte minúsculo que infecciona, um féretro pateticamente pequeno, e o universo da mulher é reduzido a cinzas e ruína. Tente fazer graça com isso. Oscar Wilde foi a única pessoa que jamais contou uma piada decente sobre a morte de uma criancinha, e essa criancinha era fictícia, e Wilde (apesar de ter sido pai duas vezes) era gay. E, como o medo é pai de todas as superstições, e como as mulheres, de qualquer jeito, são parcialmente regidas pela lua e as marés, elas também se rendem mais facilmente a sonhos, a datas supostamente significativas como aniversários, ao amor romântico, a cristais e pedras, a medalhões e relíquias e outras coisas que os homens sabem que se prestam principalmente a zombaria e versinhos chulos.

Engraçadas na velhice


Existe algo pior do que ouvir uma mulher relatar um sonho que acaba de ter? ("E então Quentin apareceu ali, não sei como. E você também, de um jeito estranho. E estava tudo tão em paz..." Em paz?) Para os homens, é uma tragédia que as duas coisas que eles mais prezam -as mulheres e o humor- sejam a antítese uma da outra. Mas sem tragédia não haveria comédia. Quando eu disse à minha amada que teria que tratar deste tema melancólico, ela me aconselhou a me animar, "porque as mulheres ficam mais engraçadas quando envelhecem".
A observação me leva a crer que isso pode de fato ser verdade, mas, me desculpe -isso não é muito tempo para sermos obrigados a esperar?


Tradução de CLARA ALLAIN

Texto originalmente publicado na "Vanity Fair".
Copyright 2007 Christopher Hitchens.

6 comentários:

Renato Siviero dos Santos disse...

Essa matéria saiu na Folha de São Paulo, nessa quinta-feira.

Não achei tão interessante a matéria, mesmo sendo sobre um tema bem interessante.

Fiz a pirataria.

João Ortiz disse...

É, começou bem legal... aí começou a encher. Parei, então, na metade. =]

Renato Siviero dos Santos disse...

E essa letra é maior do que a do jornal.

=)

Anônimo disse...

se não achou tão interessante, por que postou?

João Ortiz disse...

Pq outros poderiam achar. E esse é um tema q já foi discutido por nós.

Renato Siviero dos Santos disse...

Postei porque eu quis.

Aqui é assim - eu mando em tudo.