domingo, 24 de junho de 2007

Dilemas

Você está na pista de dança. Você, como todos seus amigos sabem, ganhou duelos de dança por todo o mundo. Foi elogiado pelos melhores DJs com apertos de mão, e na verdade aquilo nem é nada demais, pensa.

Trata-se de fazer aquilo em que se é bom.

No entanto, quando seus passos e seus movimentos, movidos por um groove fora de série, começam a ganhar embalo e prestes a chocarem a sociedade brasileira com tamanha beleza e sincronia, chega, não mais que de repente, intrépida, ela.

Passa, te olha. Uma, duas, três vezes.

Na quarta pára, fita-te na alma e dança como se te desafiasse arrogantemente. Seus olhos quase não enxergam aquele milagre divino, aquele sonho - imagem tão inesperada que seu cérebro demora para processá-la. Passa pela sua cabeça o impossível, de que talvez, o rei = você, teria encontrado finalmente a sua rainha, sua Dona Maria. E juntos, vós poderíeis ter o mundo aos seus pés, aos seus pés e pernas de tão bons reflexos motores. E vem a dança da perna-quebrada, do caminhoneiro, do técnico em Tecnologia da Informação, do fax, e vós fazeis o mundo mais indolor, e os outros mais invejosos, mais perplexos, mas mesmo assim mais gratos por terem nascido.

Ela não deixa a desejar: rebola de forma às suas formas moverem-se mais hipnoticamente do que dançarinas-do-ventre com cobras; inclina-se para trás, encosta o cabelo no chão, dobrando os joelhos e voltando em riste como se batesse palmas (e enquanto também).

Um momento para se registrar. Ela tira, uma, duas fotos sua para guardar para posteridade o dia em que a dança passou de uma arte menor para uma arte superior, como a literatura épica. Você, o Gene Kelly do Olímpo, já derretido e ainda sem saber explicar-se, ou explicá-la, começa um esforço de interpretação, como a do greco-arcaico da Ilíada.

E forma-se o dilema, pior do que os dilemas das piores tragédias gregas e portuguesas juntas.

Pior do que o do rei pensando se mandaria matar Inês, que era amada pelo seu filho: "deveria eu ir falar com ela?". Oh que dilema, Deus, que dilema!

Mas antes que a trama se desenrolasse e os conflitos internos de todo ser humano tomassem conta de você, ela vai embora, e passa como um anjo, como uma brisa, e nunca mais volta. Tão impressionante que se você ainda não sentisse o impacto do acontecimento em cada célula de seu corpo não acreditaria que realmente aconteceu.

Malditos dilemas.


(historia verídica em homenagem a um personagem que podemos chamar de "Namarra")

2 comentários:

Renato Siviero dos Santos disse...

Parece que a política repressora afrouxou.

A Esquesita disse...

Hahahahaha...

Adorei a história!!! Ainda mais sabendo que ela é verídica!!!