Dilemas
Você está na pista de dança. Você, como todos seus amigos sabem, ganhou duelos de dança por todo o mundo. Foi elogiado pelos melhores DJs com apertos de mão, e na verdade aquilo nem é nada demais, pensa.
Trata-se de fazer aquilo em que se é bom.
No entanto, quando seus passos e seus movimentos, movidos por um groove fora de série, começam a ganhar embalo e prestes a chocarem a sociedade brasileira com tamanha beleza e sincronia, chega, não mais que de repente, intrépida, ela.
Passa, te olha. Uma, duas, três vezes.
Na quarta pára, fita-te na alma e dança como se te desafiasse arrogantemente. Seus olhos quase não enxergam aquele milagre divino, aquele sonho - imagem tão inesperada que seu cérebro demora para processá-la. Passa pela sua cabeça o impossível, de que talvez, o rei = você, teria encontrado finalmente a sua rainha, sua Dona Maria. E juntos, vós poderíeis ter o mundo aos seus pés, aos seus pés e pernas de tão bons reflexos motores. E vem a dança da perna-quebrada, do caminhoneiro, do técnico em Tecnologia da Informação, do fax, e vós fazeis o mundo mais indolor, e os outros mais invejosos, mais perplexos, mas mesmo assim mais gratos por terem nascido.
Ela não deixa a desejar: rebola de forma às suas formas moverem-se mais hipnoticamente do que dançarinas-do-ventre com cobras; inclina-se para trás, encosta o cabelo no chão, dobrando os joelhos e voltando em riste como se batesse palmas (e enquanto também).
Um momento para se registrar. Ela tira, uma, duas fotos sua para guardar para posteridade o dia em que a dança passou de uma arte menor para uma arte superior, como a literatura épica. Você, o Gene Kelly do Olímpo, já derretido e ainda sem saber explicar-se, ou explicá-la, começa um esforço de interpretação, como a do greco-arcaico da Ilíada.
E forma-se o dilema, pior do que os dilemas das piores tragédias gregas e portuguesas juntas.
Pior do que o do rei pensando se mandaria matar Inês, que era amada pelo seu filho: "deveria eu ir falar com ela?". Oh que dilema, Deus, que dilema!
Mas antes que a trama se desenrolasse e os conflitos internos de todo ser humano tomassem conta de você, ela vai embora, e passa como um anjo, como uma brisa, e nunca mais volta. Tão impressionante que se você ainda não sentisse o impacto do acontecimento em cada célula de seu corpo não acreditaria que realmente aconteceu.
Malditos dilemas.
(historia verídica em homenagem a um personagem que podemos chamar de "Namarra")
2 comentários:
Parece que a política repressora afrouxou.
Hahahahaha...
Adorei a história!!! Ainda mais sabendo que ela é verídica!!!
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